Da Geral

Lembranças e depoimentos feitos por um apaixonado direto da Geral! Comentários sobre futebol e derivados.

quarta-feira, novembro 29, 2006

Um Ano da Batalha dos Aflitos

Nada mais recompensador do que voltar à Libertadores com uma vitória em cima do flamengo, encerrando assim a série de jogos em casa do campeonato brasileiro.
Ano que vem, estaremos de volta à nossa casa para brigar pelo título, conforme palavras do nosso presidente. Melhor ainda se isso se der em casa, com estádio cheio e coincidindo com as bodas do retorno gremista à 1º divisão.
Há exatos 365 dias, o Grêmio se reerguia da sombria (e lamacenta) segondona para a elite do futebol brasileiro, de onde espero que nunca mais saia.
Para comemorar o primeiro aniversário 'Dos Aflitos', colocarei três textos que retratam bem a paixão tricolor. Só para lembrar, paixão, no seu significado primeiro, significa sofrimento, e vem do latin passione.
Pois bem, vamos ao primeiro texto, do David Coimbra.


O Juiz Bailarino e o Juiz Triste
David Coimbra - ZH - 30/11/05

"Os juízes agora encerram as partidas de futebol como se fossem a Daiane concluindo uma prova de solo. É um grand finale. Uma apoteose. Eles jogam os braços para cima, dão um passo à frente, fincam um pé na grama com fúria e sopram o apito com toda a força. É teatral, é dramático, mas, puxa, há que se compreendê-los. O momento do juiz é esse: as câmeras todas estão nele, ele é o único que decide, ele é o rei, o ditador, o Júlio César, o Napoleão, o Stalin. Então, o juiz tenta sorver o máximo daquela glória de cinco segundos.
Mas o juiz de sábado não.

Fiquei olhando para o Djalma Beltrami quando ele apitou o fim da partida. Ele não trilou: ele suspirou o apito. Não fez nenhum gesto grandiloqüente. Ao contrário: parecia que Beltrami não queria estar ali. Encerrou o jogo e saiu caminhando sozinho, com um ar infeliz, os ombros caídos, os braços largados ao longo do corpo.

Tudo o que aconteceu, a pressão dos jogadores do Grêmio, as expulsões, os pênaltis, aquilo tudo havia sido demais para ele. E para os jogadores do Náutico também. Na terça, a Zero publicou uma entrevista do Leandro Behs com Ademar, o lateral que bateu o segundo pênalti. Perfeita, a entrevista. Esclarecedora. Poucas vezes um jogador foi tão sincero. Contou que, enquanto os gremistas cercavam o juiz, o técnico do Náutico perguntou quem bateria o pênalti. Os cinco jogadores que habitualmente cobram penalidades no Náutico baixaram os olhos, atemorizados. Ademar levantou o dedo:
- Então eu bato.

Foi para a área. Nas arquibancadas, os torcedores do Náutico se deram as mãos e observaram, em silêncio. Na linha da grande área, Ademar cruzou com Galatto. Que lhe disse, em voz mansa:
- Deus te abençoe.

Imagino o que se passou na cabeça de Ademar. Até então, a justa revolta havia feito os jogadores do Grêmio se comportarem feito os visigodos de Alarico diante das portas frágeis de Roma. Aí vem aquele goleiro de quase dois metros de altura e olha para ele e o abençoa? Mas o que estava acontecendo?
Com tudo isso zunindo e reboando no cérebro, Ademar, que nunca cobra pênalti, cobrou. E errou, só podia errar.

O próprio Ademar confessou que, no instante em que o santo pé direito de Galatto tirou a bola do gol, teve certeza de que o Náutico perderia a partida. Kuki demonstrou isso claramente, ao desabar no chão, arrasado. Foi por isso que Anderson marcou seu gol e foi por isso que o Grêmio venceu. Porque abateu o Náutico moralmente. A indignação dos jogadores do Grêmio, que não aceitavam de forma alguma a marcação de um pênalti que não fora cometido, que não admitiam ver seu trabalho de um ano inteiro esvair-se pela circunstância de um único lance, aquela ira sagrada e incandescente e apaixonada apalermou os jogadores do Náutico. O Grêmio queria a vitória demais. Queria-a como poucos são capazes de querer. Foi por tanto querê-la que a obteve, não era possível que não a obtivesse."

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