Da Geral

Lembranças e depoimentos feitos por um apaixonado direto da Geral! Comentários sobre futebol e derivados.

sexta-feira, novembro 26, 2010

A Batalha dos Aflitos

Hoje faz cinco anos do jogo Grêmio x Náutico, que ficou conhecido como A Batalha dos Aflitos, virou filme (dois documentários), livro (71 segundos), entrou para o Guiness Book e perpetuou, de uma vez por todas, a imortalidade do Grêmio, cantada em proza e verso por Lupicínio Rodrigues. Nunca um estádio teve nome tão apropriado, e nunca esse estádio fez tão jus ao nome: Aflitos. Lembro-me que estava na casa da Patrícia (atual senhora Bernardes) assistindo a partida com ela. Jogo vai, jogo vem, nervosismo tomando conta do ambiente, e lá pelo meio do segundo tempo acontece o tal pênalti (o segundo). Já não aguentava mais os colorados gritando feito loucos que o Grêmio continuaria na segundona, mas na hora do pênalti foi pior. O foguetório tomou conta do bairro e a comemoração foi mais barulhenta e enfurecida que na vitória do inter na Libertadores. Meu primeiro gesto foi me aproximar da TV e quase joguei-a no chão. O segundo foi ir à janela espantar os colorados que estavam urubuzando em volta, malditos secadores. Será que não tinham mais nada pra fazer, em vez de ficar agourando o meu Grêmio?Poxa, além do pênalti contra, a cada minuto que passava tinha mais um expulso do Grêmio, e eu berrando (como se alguém de lá fosse ouvir) que não podia deixar bater o penalti, que era pra retirar o time de campo pois estávamos sendo roubados, que deveríamos partir pra porrada, que o Grêmio deveria abandonar o campeonato brasileiro de vez e se mudar pro Uruguai, pois lá é melhor, que isso... que aquilo...., e mais um monte de besteiras que me vinham a mente naquele momento sofrido. No auge da angústia, a Patrícia me solta essa:
- Tem que bater o penalti de uma vez, e depois ir para cima deles.
Era só o que faltava, mulher fora da cozinha e dando pitaco. Ainda mais dizendo que "era só" fazer o que ela disse, omo se fosse pouca coisa. Logo se vê que mulher não entende nada de futebol. O Grêmio estava empatando o jogo (0x0) e na confusão teve quatro jogadores expulsos. Além da inferioridade numérica, tinha a tal penalidade a ser batida contra o Grêmio, e o Náutico já tinha perdido uma na partida, não iria perder a segunda. Caso o Grêmio não ganhasse o jogo, ficaria mais um ano na segundona, sendo que Náutico e Santa Cruz se classificariam pra primeira divisão.
- Bate logo esse penalti, bradava a Paty.
- Cala a boca, mulher. Se o Náutico converter o penalti, o Grêmio perde.
- Mas ainda dá pra virar...
Dá pra virar? Ela só pode estar louca, pensei eu, no ponto mais alto de minha irritação. Se com onze jogadores o Grêmio não fez gol no Náutico, imagina com sete em campo, e o placar adverso. Dá pra virar uma goleada histórica, isso sim.
-Como é mesmo o nome do goleiro?
Por que ela não se cala? O que ela entende de futebol? Não sabe nem o nome do goleiro.
- Galatto, respondi, meio ríspido.
- Vai Galatto, vai Galatto. O Grêmio vai sair campeão... o Grêmio vais sair campeão...
Já não suportava mais o otimismo cego (quase idiota) dela. Otimismo de quem ainda não se deu conta da tragédia iminente. Otimismo irreal. Ela torcendo para que o Grêmio ganhasse o jogo, eu querendo que saísse de campo, fosse pro tapetão, anulassem a partida, sei lá.
Bem, passados 25 minutos, ânimos menos agitados em campo, o jogador do Náutico se dirige pra marca do cal (toda esburacada).
- Vai Galatto, pega essa. O Grêmio vai sair campeão...
A TV mostra imagens do time do Santa Cruz, que no Mundão do Arruda dava volta olímpica com a taça de campeão.
- O Grêmio vai sair campeão...
- O Grêmio não vai sair campeão, pois o Santa Cruz já é campeão, não está vendo?
- Azar é deles que estão cantando vitória antes do tempo. Se o Grêmio ganhar será campeão, e aquela taça será nossa. O Grêmio vai sair campeão...
Ela tinha razão. Mesmo sendo improvável (na verdade impossível), o Santa estava cantando vitória antes do tempo. Ver os pernambucanos dando volta olímpica antes do término do jogo do Grêmio me deu mais raiva ainda. Malditos pernambucanos, que desconhecem a imortalidade tricolor; maldita TV que só me dava notícias ruins. Maldita segundona. Cada vez mais eu odiava tudo aquilo. A cada foguete que escutava, a cada grito colorado, tinha vontade de me jogar do quarto andar e esganar os vermes vermelhos, que lá de baixo festejavam a humilhação que o meu Grêmio passava. Malditos secadores.
Bem, o resto da história todo mundo conhece: Galatto pega o penalti, Anderson faz o gol, o Grêmio vence com quatro a menos e 'sai' campeão. O Pedro Ernesto quase morre gritando 'inacreditáááááááááável'. Vende-se DVD's e espalha-se ao mundo que o Grêmio é mesmo imortal. Aliás, que o Grêmio era imortal todos já sabíamos. Ou alguém duvidava que o Galatto poderia pegar aquele penalti, e que o Grêmio venceria, mesmo com meio time a menos? Claro que não.
Falando sério, muito se diz que a vida imita a arte, e que a arte retrata a vida. Mas caso alguém tivesse escrito o roteiro da Batalha dos Aflitos, ele seria um fracasso total. Seria considerado como irreal, ficção de mais para um esporte tão ortodoxo quanto o futebol. Uma história dessas só é boa por que aconteceu de verdade. Só quem não entende nada de futebol poderia imaginar que o Grêmio sairia vivo após aquele penalti. Só a Patrícia.

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quinta-feira, novembro 04, 2010

Iura, o passarinho

Os dois textoa abaiso são uma breve homenagem ao "maior gremista que já existiu"

Júlio Titow de nascimento. Iura de alcunha. Sobrenome: Grêmio. Portoalegrense como nós. Parabéns, Iura, por mais esta data.

Texto retirado do site Finalsports, por Roberto Mosmann


Iura, o passarinho.

Gosto de escrever minhas memórias sobre os "Deuses da Raça Gremista" (talvez, o maior deles tenha sido Júlio Titov, O Iura!) e também sobre as histórias que vi ou ouvi de gente próxima, do nosso Grêmio. Tenho feito isso nos textos dos "findis". São depoimentos pessoais. Ah! Aos (poucos e anônimos) colorados que gostam de compartilhar meus textos para "tentar me detonar", só uma correção: não sou um escritor gremista. Sou um gremista que escreve. É diferente. Não há pretensão literária em meus textos. Só emocionais. No resto, tudo bem...
Iura foi um caso raro de jogador que saiu direto da várzea para os profissionais de um grande clube. Até os 19 anos, jogava no Itapeva, da Vila Floresta/POA. Em 1972, vi a estréia de Iura no Grêmio. Foi pelo Campeonato Nacional, contra o Palmeiras, no Olímpico. Não um Palmeiras qualquer, mas A ACADEMIA DO PALMEIRAS: de Ademir da Guia, Leivinha, César, Luis Pereira, Leão & Cia. Iura entrou no segundo tempo, fez o gol da vitória e não saiu mais do time.
Iura era um jogador moderno até para os dias de hoje. Alto, magro (franzino até, o apelido era "Passarinho"), tinha um pulmão e uma vitalidade impressionantes. Era meia-atacante, mas defendia, armava e atacava com igual intensidade. Ah! E fazia gols. Muitos gols. Valeria uma fortuna para a Europa hoje.
E o bom é que Iura era gremistão, chorava pelo Grêmio. Sua característica com a bola era seguir em linha reta em direção ao gol (tipo Kaká). Não tinha essa de ficar dando passezinho para o lado. Só que um jogador vertical assim tende a errar mais. Como eram épocas em que o Inter tinha um timaço e ganhava tudo, a torcida gremista começou a pegar o pé de Iura. E até a vaiá-lo. E ele, claro, sofria com isso.
Até que, num Gre-Nal de 1975, aconteceu um lance que mudaria a trajetória de Iura no Grêmio. Passou de maldito a ídolo e símbolo da raça gremista. O volante do Inter era um cara extremamente forte: Caçapava. Junto com Falcão e Carpegiani, mandava no meio-campo. Seria um meio-campo pra qualquer time do mundo. Pois bem, o tal Caçapava já NASCEU lendário como o marcador mais duro do futebol brasileiro. Muita gente boa tirou o pé pra não dividir com Caçapava. Era risco de vida! Justiça seja feita: era um baita volante! Sabia jogar futebol também. Mas veio o tal Gre-Nal. O jogo estava duro, como costumam ser todos os Gre-Nais. E de repente, uma bola fica solta no meio-campo. Dois jogadores partem em direção a ela. Iura pelo Grêmio e Caçapava pelo Inter. Nenhum dos dois era de "arregar", mas a diferença física era brutal. E dividiram. A prensada que deram na bola parecia uma colisão de automóvel. Quando todos levantaram os olhos para ver o que tinha sobrado do Passarinho e, bah, surpresa: Iúra corria em pé, solto, rápido, levando o Grêmio para o ataque. No campo, inerte, jazia o gladiador Caçapava. A consagração foi quando entrou a maca para retirá-lo, com contratura muscular. Daquele dia em diante, Iura nunca mais foi vaiado. Pelo contrário: foi muito, muito aplaudido.
Um dia, ouvi Iura explicar o lance e dizer: "Caçapava era muito mais forte do que eu. Mas ele não sentia pelo Inter a mesma vontade de vencer que eu tinha pelo Grêmio. No lance, venceu a minha vontade!". Vontade de vencer pelo Grêmio! Jogadores com este espírito é que o Grêmio precisa!
Muitos preferem lembrar outro Gre-Nal em que Falcão deu um chapéu no Iura e (claro!) foi "levantado" por este. Com a "catega" dos grandes craques, Falcão levantou-se rapidamente e já o fez estendendo o braço e mostrando a bola para Iura. Iura, que se afastava, voltou e, com a "catega" dos Deuses da Raça Gremista, disse: "enfia essa bola no..., Falcão."
Em 1977, Iura marcou o que até hoje é conhecido como o gol mais rápido da história dos Gre-Nais: O GOL DOS 14 SEGUNDOS. Pois é um golaço. Quatorze segundos foi o tempo que Iura, Tadeu Ricci, Eder e André Catimba levaram para tocar a bola com força e rapidez. Desviando-se das porradas coloradas. E Iura, na cara de Manga, encobriu-o aos 14 segundos do primeiro tempo. Um gol de Iura. Um gol com cara de Grêmio! Assisti a este gol atrás da outra goleira e juro que fiquei uns 3 minutos esperando pra ver o replay. Golaço-aço! A gente nem acreditava que tinha acontecido e visto.
Ao final de 1979, com sérios problemas no joelho, Iura saiu do Grêmio e foi para o Criciúma. Em meados de 1980, o Inter o contratou. No dia da coletiva para apresentá-lo, a imprensa e a torcida colorada deram a camiseta do Inter para ele vestir. Ele olhou pensativo, chamou o presidente colorado José Asmuz, pediu desculpas e disse: "Olhe, presidente, me desculpe, mas não vai dar! Não posso trair meu passado". E abandonou o futebol, sem vestir a camisa vermelha!
Hoje, Iura é conselheiro do Grêmio. Não é mais o Passarinho (está enorme). Mas é um Deus da Raça Gremista! Eterno! Este texto é, humildemente, dedicado a ti, Grande Iura! Tua dedicação ao nosso Grêmio me ajudou a suportar melhor os anos de "vacas magras".


Texto de David 'sci' Coimbra Carradine, retirado daqui.

O Velho Ídolo

Um dia, o meu amigo Jorge Barnabé entrou nas arquibancadas de pedra do Olímpico levando o filho pela mão e, antes mesmo de se instalar, viu quem havia tempo queria ver. Deu um puxão no braço do menino:
- Filho, aquele lá é o Iúra! O Passarinho!
Importante para o Jorge mostrar ao filho quem era Iúra. Ele sempre falava do Iúra, o maior ídolo da sua adolescência, tempo em que se formam os ídolos. Por isso pediu:
- Vai lá falar com ele, filho. Pede um autógrafo.
O menino olhou para o senhor gordo sentado a uns 10 metros de distância e vacilou. O Jorge insistiu:
- Vai! É o Iúra. O Passarinho!
Era até curiosa tanta admiração. Porque Iúra nunca foi um esteta da bola. Bom jogador, mas longe ser um Rivellino, um Zico. Compensava a falta de virtuosismo com empenho. Corria o tempo inteiro, o campo inteiro. Perdia 3 quilos por jogo. Favorecia-o a compleição física. Tratava-se de um magro clássico: alto, pernas longas, ombros estreitos. Donde o apelido de Passarinho.
- É o maior gremista que já existiu! - disse o Jorge, já empurrando suavemente as costas do menino, que ainda hesitava.
De fato, o que fazia o Iúra entrar nas chuteiras a cada domingo era o amor pelo clube, manifestado, sobretudo, nos Gre-Nais. Era um tempo de Gre-Nais colorados. O Inter havia construído o maior time da sua história, com Falcão, Figueroa e outros torturadores de goleiros inimigos. Iúra lutava contra eles como se estivesse defendendo a pátria da invasão da Wehrmacht.
Em um Gre-Nal de meio de turno, Falcão enfiou-lhe a bola entre as pernas. Iúra não deixou que completasse a janelinha: aplicou uma voadora no volante do Inter. Falcão caiu, levantou e, irônico, colheu a bola do chão e a ofereceu a Iúra. A torcida do Inter uivou de prazer. Vinte minutos depois, Iúra driblou Falcão, que o derrubou. Foi um drible simples, não uma “caneta”. A falta também foi simples, nada parecida com uma voadora. Mas Iúra não perdeu a chance de devolver o sarcasmo: juntou a bola da grama e a estendeu a um Falcão arquejante. Foi a vez de a torcida do Grêmio bramir na arquibancada.
Era assim em todos os Gre-Nais, até que finalmente o Grêmio superou aquele grande Inter, em 1977. Neste ano de redenção, Iúra ingressou na posteridade: marcou o gol mais rápido da história centenária dos Gre-Nais, aos 14 segundos de jogo.
Nos anos 80, Iúra encaminhou o encerramento da carreira. Transferiu-se para o Criciúma, 400 Km ao norte do Olímpico. Foi lá que os dirigentes colorados o procuraram. Ofereceram-lhe uma pequena fortuna para jogar no Inter. Ele aceitou, não havia como não aceitar. Foi ao Beira-Rio. Fez exames médicos. Assinou contrato. Deram-lhe a camisa vermelha para apresentar-se à imprensa. Iúra respirou fundo. Tomou a camisa. Preparou-se para enfiá-la pela cabeça. E parou. O coração bateu fora de compasso. A garganta se lhe fechou. Iúra balbuciou:
- Não consigo botar esta camisa!
E afastou-a de si, e foi-se do Beira-Rio. Pouco tempo depois, abandonou o futebol. Tornou-se conselheiro do Grêmio e vive a dizer que seu sonho é ser presidente do clube.
O Jorge repetiu essa história dezenas de vezes para o filho, e agora ele estava lá: Iúra, o Passarinho. O menino olhou para aquele senhor obeso, sentado atrás do bigode, respirando com a dificuldade dos homens grandes demais. Mal cabia na cadeira, tão redondo estava.
- O Passarinho! - insistia o Jorge, e o menino obedeceu. Avançou em direção ao velho herói da infância do pai. A meio caminho, parou. Olhou por sobre o ombro. O Jorge sorria, incentivando-o com a cabeça: “Vai!”.
Ele foi. A metro e meio de Iúra, estacou, os braços ao longo do corpo. Iúra girou a cabeça, fazendo balançar a papada do pescoço. Sorriu para o menino. E o menino para ele:
- O senhor é que era o Iúra?
Não, o tempo não para nem para os titãs.

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